terça-feira, 15 de novembro de 2011

GENTE DE VIDA FÁCIL

Dizem que a profissão mais antiga do mundo é a de prostituta, mas isso era segundo uma visão antiga e conservadora. Debaixo da perspectiva actual, posso afirmar que existia pelo menos uma profissão mais antiga, que é a de doméstica, pois foi exactamente devido ao mau desempenho das donas de casa (e afins) que os homens recorreram às prostitutas, ou seja, uma coisa levou à outra.
Também é às prostitutas que chamam “gente de vida fácil”, o que eu acho algo injusto. Primeiro, porque o meio onde a maior parte das prostitutas vivem é marginal (fora da lei), porco, agressivo, pressionado pela droga, pelo proxenetismo e claro, pelos maridos das senhoras bem comportadas. Segundo, porque existe muita mais gente que, essa sim, vive à custa daquilo que os outros produzem.
Ainda recentemente comprei uns pequenos utensílios em plástico por 10 cêntimos cada. Anteriormente tinha perguntado noutra loja o custo de tal produto e o mesmo custava 20 cêntimos - exactamente o dobro! Como provavelmente o vendedor onde comprei os objectos estaria a ter uma margem de 100%, o outro estava a ter uma margem de 300%! É a este tipo de gente a que chamo gente de vida fácil. São bem pior que as prostitutas. Quem produz os objectos lança-os ao mercado por meia dúzia de patacas e depois certos chicos-espertos aplicam nos seus negócios margens de lucro descomunais. É por isso que não tenho nada pena dessa coisa do comércio tradicional. Prestam um mau serviço e ainda por cima procuram retirar lucros exorbitantes. Não é prática ainda muito antiga muitos comerciantes codificarem o preço nas etiquetas, o que lhes permitia depois anunciarem o preço aos clientes, de acordo com a sua aparência.
Gente de vida fácil é coisa que não falta neste nosso pequeno mundo. Os políticos - quantos não vivem camuflados pela sua bela retórica, mas que não produzem rigorosamente nada?
A religião também alberga muita gente do género. Muitos não passam de bem falantes e alguns em vez de serem motivo de união da comunidade, ainda criam conflitos, muitas vezes motivados pela posse de bens materiais.
É por tudo isto que presto aqui uma justa homenagem a todos aqueles que criam e que produzem. Aos agricultores, aos pescadores, aos mineiros, aos operários, enfim, a todos os que têm uma vida difícil e em troco recebem uma ínfima parte daquilo que produzem e no final vêem os lucros do seu trabalho ir parar à mão da tal gente de vida fácil. Por isso quando utilizarem esta expressão, esqueçam as prostitutas, pois elas não são as piores.

sábado, 5 de novembro de 2011

DESPEDIDA DO MEU PAI


1950

Nesta derradeira despedida não posso, como filho, deixar de em breves palavras e em jeito de homenagem, dar a conhecer o meu pai. 
O João Maria  Pires da Silva nasceu em 09/05/1920 em Faiões, terra esta que sempre foi a sua. Foi numa altura de fome, de miséria e de agitação, fruto das turbulências da república e da 1ª Guerra Mundial.
Desta forma cresceu, mas mal deu para fazer a escola primária e cedo ficou sem o pai, aos 12 anos.
Isso deu-lhe responsabilidades acrescidas e em pouco tempo tomou as rédeas do sustento da casa materna, tornando-a ao longo dos anos cada vez mais próspera e produtiva, permitindo que os irmãos pudessem orientar as suas vidas. A título de curiosidade, o elevado rendimento da lavoura familiar permitiu em 1957, com uma só produção de batatas, comprar dois carros novos.
1973

Nesse mesmo ano deu uma viragem à sua vida ao casar-se com a minha mãe e daí resultamos  nós, os dois filhos.
Apesar de um casamento algo tardio em relação ao normal, nem por isso deixou de manter a sua luta no trabalho. Aos 60 anos ainda gozava de plena vitalidade e por isso continuava a trabalhar e a investir naquilo que melhor sabia fazer e que o apaixonava – a agricultura. Realço que desde jovem, tinha um especial encanto por um animal de grande porte e possante, símbolo de riqueza e de produtividade, que nos velhos tempos eram o grande motor da lavoura – os bois, e que ele adorava tratar para os ver gordos e com o pelo luzidio.
2005
E assim passou a sua vida. Uma vida simples, honrada e dedicada. Trabalhou de sol a sol, com o único sonho de ver bem a sua mulher e filhos. Entendeu ajudar-nos na hora certa, como ele dizia, “agora que precisais, porque depois quando morrermos já de pouco vale”. 
Não lhe deram a oportunidade de estudar, mas naquilo que fazia demonstrava grande inteligência e capacidade de discernimento. Era um mestre a contar histórias e anedotas malandras, coisa que nós, os filhos, parecemos não herdar.
2007

Talvez por ter tido uma infância dura, lhe ter sido roubada a juventude e celebrado um casamento tardio, tenha sido premiado com uma longa vida.
Tudo isto aconteceu não só devido à perseverança dele, mas também porque teve a seu lado uma mulher não menos valiosa, que esteve sempre à altura, dando amor à família e incutindo um forte espírito de união.
 Como se já tivesse terminado a sua missão neste mundo, decidiu agora deixar-nos.
É um momento duro. Duro e triste. No entanto sinto uma grande satisfação por saber que esta estrela subiu agora ao Céu, porque achou que era esta a sua hora.
Até sempre pai e paz à tua alma.
 
Faiões, 01 de Novembro de 2011