sexta-feira, 12 de maio de 2017

A TRISTEZA DOS PORTUGUESES

Nas várias ocasiões que conversei com os nossos vizinhos espanhóis sobre o que pensam de nós portugueses, têm uma opinião quase unânime de que somos um povo triste e excessivamente formal,  poeticamente falando, suavemente envolvidos pela melancolia do fado. Ademais fazem alarde que são um povo alegre, festeiro e cercano.
Essa era também a ideia que tinha, alentada também pelos canais nacionais espanhóis, onde realmente se pode ver alegria, humor, beleza, comunicação, etc... No na prática, as coisas não são bem como nos fazem imaginar.
Foi ao viver algum tempo no seu meio que me deu a oportunidade de verificar que os espanhóis são exactamente como nós portugueses. Há pessoas alegres, tristes, introvertidas, comunicativas, imaginativas, ignorantes, formais, próximos, conflituosos, isolados, desagradáveis, hospitaleiros, sociável, solitários, tudo, tudo igual como nós!
Mas afinal onde está a diferença?
- A diferença está na força do conjunto como povo e na política da sua comunicação social.
Conhecendo os espanhóis individualmente, em tudo parecem iguais a nós, mas em conjunto revelam uma sinergia ímpar, que nós portugueses nem por sombras conseguimos. Ao longo dos tempos estabeleceram tradições, convívios, festas, hábitos sociais que tornam qualquer lugar acolhedor, surpreendendo positivamente qualquer visitante desprevenido. Ok, ok, nós também temos disso, mas num grau substancialmente mais baixo. Por essa e por outras estão atualmente a beneficiar de um turismo apoteótico e que não pára de crescer…
Mas onde a diferença é abismal (para mim quase chocante) é na comunicação social. Indubitavelmente temos um comportamento excessivamente formal. Num primeiro contacto tratamo-nos sempre por “você”, favorecendo o afastamento, custando-nos depois estabelecer a necessária confiança e intimidade. A escrever…, bom a escrever, somos desmesuradamente formais! Estou a escrever este texto e sinto que estou a ser formal. Que vou eu fazer? Sou português! Em Espanha, é tudo muito mais informal. Os palavrões e o calão soam bem; isso acaba por ajuda as pessoas a comunicar de forma mais íntima e estimula as relações pessoais. Em Portugal, isso soa a ofensivo, mal-educado e dá sensações de falta de cultura.

Imagem típica da televisão portuguesa.
 Uma boca invertida significa "tristeza", não?
Mas o pior de tudo são os órgãos audiovisuais. Em Portugal, aquando da transição para a difusão da TV digital - TDT, assistimos a um autêntico embuste e saque ao povo português, quando em uníssono todos os canais, digo - RTP1,RTP2, SIC e TVI, praticamente bloquearam a emissão livre e direccionaram todo o seu potencial para os canais pagos. Paralelamente, temos assistido impávidos à selecção de uma geração de profissionais da comunicação social, que é um autêntico retrocesso e agressão ao espírito dos portugueses. Com as tristes esfinges mumificadas que neste momento desfilam pela televisão portuguesa, o humor esfumou-se, a formalidade tornou-se obrigatória e o acento do sul (Lisboa) impera. É aí que a nossa imagem é mais lesada e ao mesmo tempo envolvem-nos de tristeza. Onde está o humor dos anos 40 como o Pátio das Cantigas? Enterraram-no, essa cambada de parasitas presumidos que ganham rios de dinheiro e ainda comprometem a nossa cultura e o nosso espírito. Com toda a certeza que são parentes ou compadres daqueles que fomentaram o polémico acordo
ortográfico.

É nisto que os espanhóis levam a nota máxima. Na transição para o TDT, investiram fortemente na televisão pública, tendo cerca de 40 canais livres, entre nacionais e autonómicos. Seleccionam os melhores profissionais tendo em conta as suas apetências e qualificações. O humor, a cultura, a beleza, a atitude positiva, a solidariedade, a preocupação pelo bem-estar e pela razão e pela justiça, são de entre os muitos valores que diariamente são transmitidos ao povo espanhol.
E que é que daí obtém? Obtêm um povo alegre, positivo, cheio de vontade de trabalhar, de se divertir, de viver…

E nós? Parece que nos condenaram condenados a sermos para sempre os “três tristes tigres”, não por sermos tigres mas por sermos tristes, sem o sermos…